domingo, 29 de novembro de 2015

Km 42, Castelo de Noudar - a crónica de um DNF



"Uma preta serve? Não, traz-me antes uma loira."


O Trail Transfronteiriço de Barrancos foi novamente uma grande festa preparada pelo Ico Bossa com a ajuda do Mundo da Corrida, indiscutivelmente uma das minhas provas de eleição.

Sendo distante dos grandes centros o TTB tem menos corredores que as recentes enxurradas, atraindo destes centros apenas os apaixonados pelo trail, alguns locais curiosos e muitos espanhóis muitíssimo efusivos.

Creio que foram cerca de 170 os corredores a alinhar na distância maior (55km), sendo que destes, com cerca de 20% já teria trocado algumas palavras e cerca de metade já tinha visto noutras paragens, portanto, uma prova em família, a mais familiar até então.

Parti de Barrancos com vontade de desfrutar e gerir esforços com muito cuidado, já que não fazia ultra-trails desde Abril, tinha receio do tornozelo problemático, da recente tendinite, da falta de treino e demais restrições normais para quem leva a corrida "apenas" por divertimento.

Dando um sumário geral ao ambiente da corrida, devo dizer que foi a corrida de encontros de malta porreira, tantos que passei e que passaram por mim, todos, sem excepção, a trocarem algumas palavras, a dar ou receber conselhos, a rir de uma qualquer piada, a contar a história de como e porque estou aqui, a resmungar das picadas, dos gémeos ou dos capricórnios.

Até ao km 20 a corrida teve pouca história, muita poupança de esforço, travagem nas subidas e alguma destravagem nas descidas, alimentação quanto baste (voltarei aqui), boas sensações ritmos razoáveis. Pensava entretanto que queria fazer a prova de trás para a frente, aumentando o ritmo no final, o que obviamente resultaria numa 50k+ no limite, uma espécie de maioridade neste tipo e provas antes de partir para outros voos.

O percurso desenhado pelo Ico foi dos trilhos com mais armadilhas que participei até hoje, com verdadeiros muros, zonas muito exigentes e técnicas, e muito single track plano, elemento que se vê pouco por cá mas que me dá muito gozo percorrer.

Foi ao km 28 que sofri um primeiro alerta, quando senti uma falta de energia anormal num dos muros, no topo cambaleei ligeiramente, notado pelo Miguel que pergunta se estava tudo bem. Acho que sim, respondi, não muito confiante.

Se até então a gestão tinha sido na poupança para os últimos 10/20 km, a partir daqui a gestão passou a ser diferente. Algo se passa, portanto, abrando, ora correndo, ora caminhando. Absolutamente estranha era o descontrolo de pulsação a cada metro de desnível positivo ultrapassado. Relativamente ao resto do corpo, tudo relativamente imaculado, sem sinal dos malogrados tornozelos, sem músculos a arder, mas sem energia.

O percurso tinha duas subidas para o Castelo de Noudar às quais correspondiam dois pontos de abastecimento, um primeiro ao km 35 e outro ao km 42, quiçá em representação de duas conquistas, uma espanhola e outra portuguesa, de entre tantas que devem ter acontecido naquele local.

Na primeira ascensão foi feita em realidade "Walking Dead", a desesperar pelo abastecimento em que queria abancar por algum tempo, comigo um companheiro que viria a desistir com dores nos ligamentos, que poderiam comprometer a preparação para o voo sobre a Transgrancanaria 2016. Como previsto e mais que desejado mal cheguei ao abastecimento líquido do km 35 fora da muralha do castelo sentei-me e fiquei ali uns bons 5 minutos, entretanto bebi e comi todas as bolachas de alfarroba feitas pela Tita (maravilhosas). O meu mal é fome, pensei, mas pode ser tarde.Entretanto Chega o Joel, saudando-me com a exclamação: "Estás aqui!? Pensei que já estivesses na meta." Pois... Levantei-me e segui, era a descer, depois uma volta breve e um regresso ao Castelo. A descida, muito técnica era de feição, dado que não precisava de gastar muita energia, era quase só deslizar e aproveitar a boa condição muscular. Depois vem uma parte muito técnica de rocha escarpada e muito escorregadia, tudo bem, belo treino Abutrico. Quando entra a parte plana, junto ao rio Ardila, regressa a "brincadeira", correr 10 metros, pulsação sobe como se estivesse a fazer uma série de 100 em tartan, mas não, ía a trote, caminhava em seguida. Nesta altura a gestão de esforço já se encontrava nos limites de caminhar lento, caminhar rápido. Correr era uma loucura que fazia de
vez em quando, enquanto o Joel e um amigo se perdiam no horizonte.

Enquanto no final da parte plana aproxima-se um simpático alentejano que me acompanhou até na segunda subida ao castelo e Noudar. Comecei a subida com extrema dificuldade, sempre ofegante, sem qualquer energia, e a tal gestão de esforço rapidamente se converteu em “vou parar só um bocadinho”, o simpático alentejano, do qual não cheguei a saber o nome também parava, e seguíamos os dois novamente. Havia um ligeiro vale antes da ascensão, onde disse ao companheiro: “agora corro, porque não me custa descer, aproveito galgar uns metros mais depressa, mas ali à frente vou parar”. O rapaz não seguia, estava “sem pernas”, mas como previsto, mal o terreno inclinou, eu ía parando e rapidamente me apanhou outra vez, e seguimos os dois num ritmo miserável até ao Castelo.

Km 42, 6h, muita alegria dentro das muralhas do Castelo de Noudar, alguns amigos e familiares de corredores que chegavam, muitos beijos e abraços, muito ar desgastado de muita gente. Sentei-me no chão, tirei a mochila, perguntei se havia cerveja. Havia cerveja preta, perguntei se havia loira, e foram ver, entretanto levantei-me para recolher uma sopa que aviei num abrir e fechar de olhos, a respiração mantinha-se ofegante doía-me a cabeça. Havia loira. Enquanto a bebia tirei a t-shirt das Tartarugas e vesti a malha polar, afinal iria ficar por ali algum tempo. Fechei os olhos por um momento e encostei-me, pouca melhoria. Acabou, pensei. Mas já que estou “confortável”, deixo-me estar. Despachei outra sopa enquanto comecei a ver mais malta conhecida (estive ali cerca de uma hora). Chega a Manuela muito emocionada pela primeira ultra e muito sorridente. Então, vamos embora, devagar, diz. Não dá, digo, algo desapontado. Chega a Rita diz, levanta-te lá faltam 13 km e é a descer. Não dá. Aparece o Fernando, olha para mim algum tempo e diz: “Estás com uma cor estranha, não convém arriscar”. Foi o meu ponto final no TTB, levantei-me, não valia a pena continuar parado a ver se recuperava. Entretanto vem a Tita e pergunta: o que estás aqui a fazer? Estou a desistir.

Apanhei boleia com a Patrícia o Joel e amigos para a meta em Barrancos, saio algo mal disposto do carro, avisto a Maria ao longe que estava na “apoiada”, aproximo-me com ar desgraçado e conto-lhe o sucedido. Olha para mim e diz, não estás com boa cara, vamos ali aos Bombeiros, check rápido, índices de glicémia mínimos, tensão muito baixa, saturação de oxigénio no sangue a 25%, não admira que duas horas antes um degrau me parecesse a subida ao evereste... Um saco de açúcar e uma marmelada, pernas levantadas até os valores normalizarem, que é como dizer a glicémia duplicar e o grau e saturação subir aos 100%, o que naturalmente sucedeu algum tempo depois.

Ainda deu para regressar à meta e acompanhar a chegada daqueles que tinha deixado no km 42. Um dia depois, tudo excelente, sem dores musculares, sem dores nos pés, apenas com os inevitáveis arranhões. Nem parece que fiz uma maratona em trail, mas talvez tenha feito 30 e poucos km mais uma parte de caminhada geriátrica.

Do sucedido, há muitas interrogações para serem esclarecidas. Pode ter sido resultado da fraca alimentação, como um dos corredores com quem me cruzei me berrou na meta “tens de comer!!” ou por outras questões que talvez se tenham manifestado de forma mais modesta noutras provas e que terei de averiguar antes de nova aventura. De facto a minha fisionomia com pouca massa muscular e muito pouca reserva não é aliada de provas de longa distância, dado que tenho aceitado que os meus resultados comparativos são, de facto, muito diferentes entre provas curtas e provas longas. Contudo também já percebi que esta quebra é independente do ritmo, sendo provocada sobretudo pela duração do esforço.

Depois de uma bela dose de ensopado de borrego entre outras iguarias alentejanas, creio ter resolvido o problema no muito curto prazo. Foi, apesar de tudo, um excelente TTB, com uma primeira desistência tanto inevitável como necessária e consciente.

Boas corridas

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O possível e irritante desafio do PBT

É neste fim de semana que faço mais um assalto à barreira dos 40 minutos em 10 km. A forma física não é a melhor, a confiança também não, a expectativa é pouco animadora, no mínimo chegar com os pulmões em brasa e com o coração a querer saltar do corpo.Salve-se a satisfação pela (pouco provável) melhor marca pessoal na distância (PBT), trata-se do mais irritante PBT do meu percurso recente na corrida. 

Porquê?

Não ligo muito a PBT's e onde aproveito a corrida é no meio do monte se me preocupar muito com o tempo. Por outro lado, nunca liguei a provas de 10 km, tal que a primeira prova em que participei foi uma meia-maratona e a minha primeira experiência em 10 km foi um treino, uma semana antes da primeira maratona. Correr depressa nunca foi o objectivo último, mas dá gozo, se dá. Entretanto escutava de quem comigo treinava sempre com as mesmas palavras de que as provas curtas se moldavam melhor à minha corrida, e que teria um melhor desempenho comparado em fazer provas mais curtas (continuo a  achar que não).

Neste momento?

Oportunidade e desafio. Depois e uma paragem prolongada e na impossibilidade de me atirar (logo) para os trilhos percebi que era um bom momento para me testar na distância mais popular das corridas de estrada. O desafio vem desde a primeira prova e 10km, Corrida do Montepio 2014, em que me senti  muito forte, tendo acabado a prova em ritmo treino em cerca de 47 minutos, com a certeza que estava a "valer" menos de 40 min aos 10k, e que seria uma questão de tempo até encontrar uma prova para terminar dentro essa marca redondinha. Poderia ter acontecido um mês depois, quando duvidei, no dia da prova, entre fazer meia maratona dos Descobrimentos ou trocar o dorsal para a prova de 10km do mesmo evento. Decidi pela meia, e fiz o respectivo PBT, que à data significou pouco. Hoje, "relativamente pouco". Se é verdade que a corrida não foi preparada e que me deu pouco prazer, ficou a marca de 1h26m30s à chegada como o melhor resultado comparativo de entre todas as provas até hoje, e muitíssimo difícil de voltar a atingir num futuro próximo, o que me deixa com um orgulho nostálgico, quase sebastianista. E o orgulho do resultado, para além do prazer de correr também conta, e se conta, poder pensar: "superei-me".

E daí a irritação.

Em Outubro de 2014, na meia-maratona da Moita, passei aos 10km em 40m40s (oficiosos) (acabaria a prova em 1h28m). Em Dezembro e 2014, na meia-maratona dos Descobrimentos, passei aos 10km em 40m26s (chip).

Foram 3 meses com a consciência e capacidade física mais que suficiente para o resultado que ando a batalhar...

Em Abril, na Scalabis night run, uma corrida que não devia ter feito, onde agravei a lesão que trazia, fiz 41m40s, a melhor marca em provas de 10km, o PBT(zinho) a bater. Desde que regressei, fiz a corria da Semana da Mobilidade experimentando correr abaixo de 4min/km, ritmo que consegui levar até ao km 6, onde senti que já não dava mais, e foi com muito sacrifício que levei a máquina, em gestão de esforço, até à meta, para chegar em cerca de 43 minutos. Esteve quase para ser o primeiro DNF voluntário...numa prova de 10 km, 0D+, dia solarengo, alcatrão, quase...quase como os Trilhos dos Abutres 2014. Perder contra o passado recente irrita-me e desafia-me, tanto, que me vou meter no Delorean, regressar ao futuro, prometendo pelo menos, dar luta, nesta corrida contra mim.

Domingo corremos uns pelos outros na corrida do Montepio. Volto a fazer a prova um ano depois para conquistar o ceptro de papel e o número da vergonha. Na corrida que é uma das mas interessantes e alegres provas de estrada em Lisboa, onde o valor e inscrição reverte para a Liga Portuguesa Contra o Cancro, onde se junta um mar de amigos e conhecidos das Tartarugas Solidárias, e com a chegada num dos locais que mais me é familiar, reúnem-se todas as condições para um dia fantástico de corridas, independentemente do que consiga fazer.

Um abraço

sábado, 5 de setembro de 2015

Devagar, devagarinho


Definidos novos objectivos, passei umas semanas em banho-maria, correr ao sabor da disponibilidade, sem controlar ritmos ou tempos, entre 1 a 3 vezes por semana, a tentar não perder forma.

Pouco a pouco fui aumentando a regularidade e a tornar os treinos mais semelhantes ao planeamento. 
Nas duas últimas semanas o treino tem sido muito controlado, o que basicamente significou ritmos muito menores, dado que 3 dos 4 treinos semanais em ritmos que variam entre 6 min/km e 6min30seg/km. Um dos treinos tem uma parte rápida de duração máxima de 20 minutos. Fiz dois treinos mais longos, um de 1h25 e um de 1h40. Sempre em plano, sempre lento

Sensações excelentes até ao momento. Faz muitos meses que não corria nem tão rápido (no treino rápido) nem tanto tempo seguido.

O recomeço tem-me parecido um novo começo. Não faço esforços desnecessários. Para já, os desníveis e os trilhos terão de ficar reduzidos um ou outro dia especial.

Para animar esta aparente monotonia, vou introduzindo algumas competições nas proximidades, como, para já, a corrida do Avante e o Dura Trail, encaixando-as também na planificação. Para o Dura alguma atenção particular, porque 1200m D+ não é pêra-doce, faça-se  depressa ou devagar. Haverá que fazer rampas e reforço muscular até lá. Outras inscrições para provas estão em stand by, nomeadamente o resultado do sorteio para a Virgin London Marathon, e a abertura (e fecho) das inscrições para os Trilhos dos Abutres.

Em resumo, vou devagar, muito devagar, porque creio ser assim que se chega longe.
E se alguns objectivos estão longe, outros estão ainda muito longe. Para esses, que a fundação seja bem consolidada.

Como vídeo, momentos do vencedor do UTMB 2015 Xavier Thevenard, na sua caminhada montanha acima.




Abraço

terça-feira, 23 de junho de 2015

Regresso à mecânica da coisa

Algum dia haveria de voltar à corrida e ao CorredorVoador porque, acima de tudo, correr é hoje para mim, uma das formas mais proveitosas de ocupar o tempo. Nem a pausa foi tão pausada assim. Por aqui e por ali, entre tartarugas e outros espécimes, fui fazendo umas escapadelas para o asfalto.

Poderia ficar por aqui, não chega? 
Claro que não. 

As sensações e memórias mais intensas vêm de outras experiências, aquelas em que ultrapassei a zona de conforto, em que me desafiei, testei e superei (ou não superei) limites. Sendo assim, este regresso acima de tudo, é um regresso ao caminho das aventuras desafiantes, onde, não conta só o objectivo, mas a forma como o caminho é percorrido até lá.

É neste sentido que, de uma forma muito descontraída fui lendo muito pela rama algumas coisas sobre o treino para ultra-trails, que considero uma grande lacuna minha, e em muitos dos corredores amadores que se estreiam nos trilhos. Como estou a preparar objectivos a longo prazo, não prestei atenção, para já, a treinos muito específicos, os quais mais tarde terei de dar alguma atenção, nomeadamente: como abordar trilhos técnicos (lama, rocha, raízes, etc), treino de instabilidade (sei que estas coisas podem ter outros nomes, mas gosto de as abordar desta forma...amadora), nutrição específica em corrida (quando comer, quando comer, o que comer e o que beber), e reforço muscular dos membros superiores e do "core".

Tudo isto ficará para fases posteriores, que já planeei sem muito rigor. Para a primeira fase (que começou hoje!) planeei os treinos para o reforço da capacidade cardíaca, quase um plano para iniciantes,em que me vou habituar a treinar por tempo e não por km. Significa isto que o objectivo de cada treino em vez de ser fazer X km em Y tempo, é fazer X tempo dentro de um determinado intervalo e frequência cardíaca média. Eventualmente se o treino estiver a resultar bem, a velocidade média deverá aumentar para a mesma zona cardíaca, e poder ser um bom indicador da eficácia do treino. Será divertido analisar esta evolução. É claro que isto significa que voltarei a prender-me aos gadgets, dada a necessidade de treinos com qualidade, sem perder muito tempo.

É neste sentido que o plano a seguir (que parece escrito em código) funciona, onde cada treino tem basicamente 3 variáveis: duração, intervalo de frequências, e tipo de treino (ritmo progressivo, intervalado, montanhoso, etc). Neste, tive alguns cuidados particulares, nomeadamente a periodização (semanas de carga e semanas de descanso), a evolução gradual, e o repouso. Evito também nesta primeira fase os treinos de desgaste, nomeadamente aquelas saídas por entre trilhos de 4 ou 5 horas. Pelo contrário, conforme fui lendo, faz mais sentido os treinos back to back no fim de semana, ou seja, 2 treinos longos sábado e domingo, sendo o segundo 50 a 75% do tempo ou quilometragem o primeiro.

Qual é o interesse de toda esta preparação? Naturalmente evoluir. Nada disto é comparável a um plano profissional, é exactamente algo "a olho", nem será cumprido à risca, pretendendo ser sobretudo o meu guia de orientação.

Na verdade, encaro os desafios como relativos à minha condição. Neste sentido, o planeamento do meu treino também faz parte do desafio e do meu handicap particular. Foi com esse risco e responsabilidade que modelei o plano para a Maratona do Porto, e é com esse espírito que preparo as aventuras que estão para vir.

O final desta fase de treino coincide com o Trail Serra d'Arga, não sendo certo que irei fazer a prova curta, no entanto espero poder dizer por essa altura que me sinto em forma e com confiança para me inscrever em novos voos, como o destes dois personagens numa "colina" do outro lado do oceano.




Abraço,
e boas corridas